Mais um tiro em Tropa de Elite - MÁRIO MARCOS DE SOUZA, JORNALISTA, Zero Hora, 15/11/2010
Ao ler a notícia de que uma promotora de Santa Cruz do Sul decidiu impedir que menores de 16 anos assistam ao filme Tropa de Elite 2 para não se contaminarem com a “violência” mostrada nas telas, lembrei da conversa que tive há algum tempo com uma orientadora educacional, já aposentada, da Escola Técnica Parobé. Ao perguntar se nunca tinha sido ameaçada de agressão por um adolescente, como tem sido comum nestes últimos tempos de desrespeito e desmoralização dos professores, ela me respondeu que só se incomodava mesmo quando exigia que os jovens agissem como adultos. Não com eles, mas com alguns pais. Ela pedia que os próprios estudantes fossem até as empresas e se submetessem às entrevistas de estágio porque a responsabilidade pelo trabalho seria deles – mas as famílias não aceitavam. Pai ou mãe, um ou outro, não queria deixar de tutelar o filho, mesmo naquelas horas em que ele dava o primeiro passo de uma futura vida independente. No fundo, no fundo, é o que fica evidente na decisão da promotora. A exemplo dos pais que enfrentavam a orientadora educacional, ela quer tutelar os jovens, como se crianças acompanhadas ou autorizadas pelos pais ou responsáveis fossem incapazes de assimilar as mensagens de um filme. Pai que leva ou autoriza um filho a ver um filme assim conhece bem o que faz – até porque não se fala aqui de criancinhas nos primeiros anos de vida.
Tão grave quanto imaginar que jovens não possam entender os recados recebidos durante duas horas de uma sessão de cinema é descobrir que a promotora tomou a decisão sem ter assistido ao filme. Ela própria confessou isso na entrevista a Zero Hora. Tive de ler novamente depois do primeiro ponto. Não é possível que tenha lido isso, pensei. Comecei de novo: “A senhora viu o filme?”, perguntou a repórter Letícia Mendes. “Não, infelizmente ainda não tive tempo”, respondeu a promotora Simone Spadari. Até admito que ela pudesse se escandalizar com as cenas, afinal, cada um interpreta a mensagem de acordo com seus próprios critérios, mas, para tomar uma decisão segura e justa, sua primeira providência deveria ter sido a de ir a um cinema. Em vez de tomar a decisão baseada em algumas críticas que leu, como justifica na entrevista, deveria fazer como outras 8,7 milhões de pessoas que já viram Tropa de Elite 2 em todo o país – um passo acelerado em direção ao recorde de mais de 10 milhões de brasileiros que um dia foram aos cinemas brasileiros para conferir as belezas de Sônia Braga em Dona Flor e seus Dois Maridos.
Se agisse com este cuidado, a promotora da Infância e Juventude descobriria que as cenas de violência mostradas no filme não são diferentes daquelas a que os brasileiros – e crianças que nem chegaram ainda aos 16 anos – assistem todos os dias nos noticiários de TV, leem nas páginas dos jornais, ouvem nas emissoras de rádio e acompanham pela conversa entre familiares e amigos.
O que elas veem na imprensa e nas ruas das cidades onde vivem, e que o filme mostra claramente, nem se compara com o nível de violência de alguns jogos de computador, com a tortura de presos no Iraque ou no Afeganistão, ou com as bombas que explodem em meio a civis inocentes. Tudo isso funciona como um poderoso mecanismo pedagógico. Ali está o que precisa ser evitado no dia a dia. Famílias bem estruturadas conversam sobre isso e partem daí para educar seus filhos.
O segundo filme de Tropa de Elite é bem menos violento, por sinal, do que o primeiro. O diretor José Padilha levou para as telas aquilo que todos conhecem. É como se ele tivesse reunido os jornais e programas de TV dos últimos anos e fizesse um resumo do que leu e ouviu. Ali, diante do público, surge um policial resistente ao plano de aquietá-lo em uma função burocrática, com um bom salário, cercado por grupos interessados em tirar proveito da violência; uma força policial comandada por corruptos, que parecem mais marginais do que as pessoas que perseguem; milícias que, usando a experiência e o apoio dos chefões, formam um poder paralelo corrompido, violento, explorador, capaz de tirar vantagem da formação para massacrar a parte frágil da sociedade. Tudo isso sob as bênçãos de políticos que formam o sistema a ser combatido, nas palavras do coronel Nascimento. Alguma novidade em relação às informações que você recebe em sua própria casa, cercado pelos filhos?
Claro, nas duas horas do filme o impacto é muito maior porque toda a violência é compactada em um prazo limitado e desfila diante do público amplificada pelo impacto da trilha sonora, mas nada que justifique a censura. Cabe aos pais, e apenas a eles, ao contrário do que afirma a promotora na entrevista, dizer se os filhos estão preparados para receber toda a massa de informação de Tropa de Elite 2. São eles, sim, os responsáveis por “deliberar sobre questões que afetam o desenvolvimento socioafetivo das crianças”, usando parte de uma das respostas da promotora.
O melhor que doutora Simone deve fazer é entrar na fila, como muitos têm feito, comprar um ingresso e assistir ao filme de Padilha. Garanto que vai gostar.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não é o conhecimento que desencaminha uma criança, mas o desconhecimento dos malefícios. Tropa de Elite tem mostrado uma parte da verdade, mas não toda a verdade. É violento como são os filmes americanos e com éram os filmes de bangbang onde se matavam centenas de índio e até famílias inteiras, ou aqueles filmes de guerra em que a chacina só não mostrava sangue e as vísceras dos mortos.
As drogas levam crianças e adolescentes ao vício pela curiosidade, pelo desconhecimento dos malefícios que produz ou por fuga de alguma emoção ou fato grave que não teve o acompanhamento ideal dos pais.
É lamentável que a autoridade pública tenha tomado uma decisão pelo diz-que-disse de alguém, ou por suposição ou por convicção pessoal. O MP é um instrumento de vigilância, de supervisão ao cumprimento das leis e de cidadania.
Quanto ao filme, ele tem a capacidade de mostrar que a causa da insegurança pública não está só na polícia. O problema é muito mais profundo e mais grave. A polícia é uma ferramenta inicial e muito pequena dentro do sistema de preservação da ordem pública. O detalhe é que os outros instrumentos estão mais comprometidos com salários, vantagens e prerrogativas.
O Brasil precisa de um Ministério Público fiscal, probo, desburocratizado e inserido num Sistema de Justiça Criminal ágil, integrado e coativo, próximo das questões de ordem pública e envolvido dentro das corregedorias na defesa e execução das leis e na consolidação da supremacia do interesse público, contra a corrupção, imoralidades, improbidades, criminalidade e violência que afrontam a confiança nos Poderes, o erário, a vida, a educação, a saúde, o patrimônio e o bem-estar do povo brasileiro.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
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