FREIO NA IMPUNIDADE - MP dá ultimato aos infratores - GUSTAVO AZEVEDO, Zero Hora, 10/01/2011
Motoristas gaúchos que ainda não entregaram suas carteiras de habilitação suspensas por somarem 20 pontos ou mais ou por infração com previsão legal de suspensão, conforme determina a lei, poderão ser denunciados por desobediência e violação do Código de Trânsito Brasileiro e até ser presos
Milhares de motoristas gaúchos poderão ser surpreendidos nas próximas semanas com um oficial de Justiça batendo à porta.
Para brecar a frota da impunidade, o Ministério Público (MP) vai apertar o cerco às quase 10 mil pessoas que estão com a habilitação suspensa no Estado por somarem 20 pontos ou mais ou por infração com previsão legal de suspensão. Apesar de terem sido penalizadas e avisadas duas vezes de que precisariam entregar as carteiras, conforme determina a lei, apenas 922 devolveram os documentos ao Detran até sexta-feira passada.
Mais de 90% dos infratores punidos permanecem portando suas habilitações, muitos deles desafiando as autoridades, dirigindo livres pelas ruas e estradas do Rio Grande do Sul. É o caso de um cabeleireiro de Alvorada, que preferiu não se identificar. Ele conta que tem um filho doente e, muitas vezes, precisa ir à Capital às pressas para levá-lo ao hospital:
– Quando eu vejo, o pardal já me pegou.
Mesmo impedido legalmente, ele revela que permanece dirigindo.
– Eu levo meu filho diariamente ao hospital. Tenho medo de me pegarem, mas preciso fazer – diz.
Se esse motorista e os outros milhares de suspensos insistirem em não entregar a carteira e não iniciar o processo de reciclagem, poderão sofrer uma punição ainda mais severa. Os promotores deverão denunciá-los à Justiça pelo crime de desobediência (pena de 15 dias a seis meses de detenção) e por violação do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê prisão por até um ano, multa e cassação do documento, o que implica o reinício de todo processo de habilitação após os dois anos de cumprimento da penalidade.
O subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Luiz Carlos Ziomkowski, aponta que esses condutores poderão ter mais uma chance para se regularizarem, sendo avisados por carta novamente. Quem não se adequar deverá ter seus casos encaminhados aos juízes pelo MP.
– É uma forma que estamos encontrando para pressionar esses cidadãos para que se convençam de que têm de entregar a carteira, que têm de cumprir a suspensão, que devem fazer a reciclagem. Se não devolveram, nós vamos denunciar – afirmou Ziomkowski.
A terceira chamada aos motoristas não deverá ser executada pelo Detran, o que seria o normal. Os avisos têm chances de serem entregues de casa em casa pela Brigada Militar ou por agentes municipais de fiscalização.
– Essa possibilidade está prevista em resolução, mas depende ainda de um acerto com os órgãos. Mas é imperativo retirar de circulação aqueles que não respeitam as regras – afirmou o presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), Lieverson Luiz Perin.
A inspiração
O Rio Grande do Sul estaria seguindo os passos do Paraná, o primeiro Estado do país a assinar, em 2009, uma resolução prevendo a prisão de motoristas suspensos. Uma força-tarefa da Polícia Militar paranaense chegou a ser montada para visitar as residências dos infratores e recolher as carteiras.
– O ideal é que não se chegue a esse ponto. As pessoas têm de entender que isso faz parte de processo educativo e não como uma punição – ressalta o presidente do Detran, Alessandro Barcellos.
Para o Detran, a entrada do Ministério Público no combate à impunidade dá fôlego ao órgão para diminuir a montanha de processos instaurados. Atualmente, mais de 18 mil ações administrativas de suspensão do direito de dirigir tramitam no departamento.
– O cobertor é curto. Não adianta suspender 35 mil e continuar tendo só 900 que devolvem a carteira. Temos de melhorar a fiscalização para poder dar vazão. Com o Ministério Público engajado, a Brigada Militar e os órgãos de fiscalização, poderemos diminuir essa diferença – sustenta Barcellos.
Brechas facilitam irregularidades
Mais de oito anos do primeiro flagrante e seis meses da última prisão, um motorista que já foi detido nove vezes por dirigir embriagado finalmente teve a carteira suspensa pelo Detran. Em agosto de 2010, Zero Hora mostrou a história de impunidade de um morador de Cachoeirinha, de 46 anos, que impulsionado por um coquetel de álcool e remédios fortes mantinha ativa a habilitação para dirigir o seu Fusca 1978.
Apesar de não ter condições de dirigir, o condutor se beneficiava de brechas e deficiências nas leis e na fiscalização para, a qualquer momento, sair às ruas acelerando, acobertado por um documento válido.
Esse é apenas um caso da impunidade que transita pelo Estado. Boa parte dos mais de 10 mil motoristas que tiveram as habilitações suspensas mês passado pelo Detran se beneficiou desse emaranhado de falhas e burocracias para adiar as punições.
Se condutor recorrer, ele pode utilizar até seis níveis de recursos, com amplos prazos, até que saia uma decisão. Ele pode apelar três vezes pela infração e outras três contra o processo de suspensão.
– É um preceito constitucional. O Detran respeita a ampla defesa e os prazos legais – sustenta o diretor técnico do Detran, Ildo Szinvelski.
Há casos de condutores que ultrapassaram há mais de cinco anos os 20 pontos na carteira e até agora não tinham sido julgados.
– Nós iniciamos do maior pelo menor por falta de estrutura. Até poucos anos tínhamos quatro pessoas para dar conta de tudo. Agora temos 23. Estamos conseguido dar vazão – aponta Szinvelski.
Além das apelações, o motorista encontra outros furos para se manter impune. Os bancos de dados dos órgãos de segurança não são interligados ao do Detran. Se o policial não olhar o sistema do departamento, o condutor suspenso pode seguir livre.
– Os motoristas parados em blitze ou em outras abordagens devem ter as carteiras rastreadas pelo sistema. Não adianta só olhar a data de validade e liberar – diz o diretor.
A brecha mais difícil de ser fechada, no entanto, é uso de um terceiro para escapar do castigo. O infrator coloca as multas no nome de outra pessoa, para escapar do limite de pontuação.
Como é em outros países
URUGUAI - A punição para motoristas costuma ser muito mais rigorosa do que no Brasil. Confira alguns exemplos:
- A multa por conduzir alcoolizado custa cerca de R$ 650, mais a suspensão da carteira por seis meses, para os flagrados pela primeira vez.
- No caso de estrangeiros, as autoridades têm poderes para reter o documento até que o turista pague a multa.
- A lei dá amplos poderes a autoridade policial e judicial para casos de acidentes graves. Os autores podem ser presos, sem direito a fiança.
ARGENTINA - A prisão é prevista para quem dirige embriagado por álcool ou drogado, mas as penas são consideradas brandas. Há um projeto no país para tornar a lei mais rigorosa e incluir os crimes de trânsito num patamar mais rígido do código penal do país. Motoristas bêbados envolvidos em acidentes fatais poderão ficar presos até 15 anos. Vai para trás das grades também o condutor que passar pelo sinal vermelho, depois de três infrações seguidas.
ESPANHA - Cada 10% acima da velocidade permitida dá um ano de cadeia. Quem correr o dobro do que diz a placa passa 10 anos na prisão. Quem for pego embriagado, sai de trás do volante direto para atrás das grades. O juiz agora pode determinar até dois anos de multa. O infrator fica pagando mensalmente, e os valores são pesados, o equivalente a R$ 1 mil mensais.
GRÃ-BRETANHA - Se dirigir embriagado e correr demais nas estradas da Grã-Bretanha, o motorista poderá ficar preso dois anos. A pena para quem for pego falando no celular no volante é um ano de prisão.
JAPÃO - Quem dirigir e ingerir bebida alcoólica pode pegar até cinco anos de cadeia. Os acompanhantes podem ficar presos por até três anos. Resultado disso é que as mortes no trânsito no país caem há nove anos seguidos. Em 2009, morreu mais gente andando de bicicleta do que em acidentes com motoristas bêbados.
ESTADOS UNIDOS - Na maioria dos Estados, o motorista infrator perde a licença e, se tiver antecedentes, vai para a cadeia. No Estado de Nova York, por exemplo, a pena de prisão é automática se houver alguma criança no veículo. Na Pennsylvania, é obrigatório passar por teste de alcoolemia, do contrário poderá ser preso.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Todo os esforços exercidos pelo Ministério Público, pelas forças policiais e pelos instrumentos de cidadania que combatem a violência no trânsito têm sido inúteis diante de um justiça morosa e tolerante e de legisladores que continuam abrandando as leis e desprezando o clamor popular e as questões de ordem pública.
O Brasil precisa de um Ministério Público fiscal, probo, desburocratizado e inserido num Sistema de Justiça Criminal ágil, integrado e coativo, próximo das questões de ordem pública e envolvido dentro das corregedorias na defesa e execução das leis e na consolidação da supremacia do interesse público, contra a corrupção, imoralidades, improbidades, criminalidade e violência que afrontam a confiança nos Poderes, o erário, a vida, a educação, a saúde, o patrimônio e o bem-estar do povo brasileiro.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
FREIO NA IMPUNIDADE - MP dá ultimato aos infratores de trânsito
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