O Brasil precisa de um Ministério Público fiscal, probo, desburocratizado e inserido num Sistema de Justiça Criminal ágil, integrado e coativo, próximo das questões de ordem pública e envolvido dentro das corregedorias na defesa e execução das leis e na consolidação da supremacia do interesse público, contra a corrupção, imoralidades, improbidades, criminalidade e violência que afrontam a confiança nos Poderes, o erário, a vida, a educação, a saúde, o patrimônio e o bem-estar do povo brasileiro.

domingo, 14 de agosto de 2011

O MP ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

OPERAÇÃO PAPAI NOEL. O debate entre o público e o privado. Nesta reportagem, ZH esclarece por que a parceria que tornou o Natal Luz um sucesso nacional virou alvo de controvérsia. ADRIANA IRION E HUMBERTO TREZZI - zero hora 14/08/2011

Ao contestar a forma como tem sido realizado um dos mais bem-sucedidos eventos do país, promotores de Justiça impuseram um debate: quais são os limites da parceria entre administrações públicas e empresas que permitiu o surgimento de atrações como o Natal Luz.

Para os promotores, essa festa é um patrimônio do município de Gramado e, portanto, deveria seguir regras do poder público. Já a prefeitura e os organizadores a consideram um fruto da iniciativa da comunidade executado por empresas privadas. Desse conflito de visões, nasceu uma investigação que resultou em 34 pessoas denunciadas criminalmente, no afastamento da comissão e em ação para reaver os recursos captados pelas leis de incentivo à cultura e outras verbas.

Um dos principais motores econômicos de Gramado, o Natal Luz injetou na cidade no ano passado R$ 91 milhões, entre hotéis, restaurantes e lojas, além de gerar 2 mil empregos diretos e 7 mil indiretos – números impressionantes para um município de 32,2 mil habitantes.

Essa atração é resultado de um convênio entre a prefeitura e a Associação de Cultura e Turismo de Gramado. O elo entre as duas é a comissão executiva da festa, cujo presidente é nomeado pelo prefeito. A cadeira, por tradição, pertencia a Luciano Peccin, o hoteleiro que, em 1986, na época secretário de Turismo, criou o Natal Luz. A iniciativa dele e de sua mulher, Marlene Prawer, ajudou a salvar economicamente o verão dos gramadenses. Peccin deixou a secretaria, mas seguiu como pai do evento. Deixou a presidência da comissão após a edição passada, sob a pressão do MP, que questiona o fato de as empresas dele também serem contratadas.

O MP entende que a associação e a comissão, por receber orientação de alguém nomeado pelo município, têm de seguir as regras da administração pública, como a de não contratar parentes, e sugerem a prática de licitações.

Com o objetivo de jogar luz nessa polêmica convertida em batalha judicial, ZH ouviu seis especialistas. Para cinco deles, é um equívoco impor aos empresários as mesmas normas que valem para os agentes públicos.

Carlos Ari Sundfeld, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, observa:

– O fato de ser um evento que envolve a cidade, com apoio da prefeitura, não permite o raciocínio de que é da prefeitura. O problema seria servir para pessoas lesarem a própria associação.

Especializado em improbidade administrativa, o advogado paulista Pedro Paulo de Rezende Porto Filho avalia que, por si só, o fato de os organizadores contratarem empresas suas e de parentes não é ilegal – desde que prestem um serviço melhor ou mais habilitado do que os concorrentes. E a contratação não precisa ser por licitação.

– Se a melhor oferta for da empresa do organizador, ela pode ser escolhida. Quando o administrador público repassa o dinheiro à entidade civil, que pode ser uma associação sem fins lucrativos como ocorreu em Gramado, não está obrigado a seguir a Lei das Licitações. Deve ocorrer algum critério na contratação. E ter prestação de contas acertada.

Dos R$ 17 milhões da receita direta do evento no ano passado, R$ 4,4 milhões foram obtidos via Lei Rouanet, que permite a empresas aplicarem verbas em cultura e deduzi-las do Imposto de Renda. Ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Adylson Motta ressalta que na área da cultura a possibilidade de dispensar licitação é “mais forte ainda” quando se quer contratar um artista.

– Roberto Carlos só existe um, e não posso fazer uma licitação se quero um show dele.

A questão é de bom senso e de obedecer a princípios morais e constitucionais, observa Motta. Ele exemplifica: se na banda do Supla o irmão dele toca violão, ao ser agraciado com um projeto da Lei Rouanet, o músico não é obrigado a retirar o familiar do grupo.

– No entanto, contratar só para um projeto um engenheiro de som ou um figurinista que seja familiar do artista ou do prefeito, mas que possa ser substituído por outro, é, sim, ferir a Constituição – explica.

A opinião do diretor-geral do Tribunal de Contas do Estado, Valtuir Pereira Nunes, segue a mesma linha: o produtor do espetáculo não está proibido de contratar parentes e amigos em casos de eventos beneficiados pelas leis de incentivo. Mas, nesse caso, deve mostrar que essa foi a melhor opção, “atentando para os princípios da moralidade e impessoalidade, o que pode ser constatado mediante cópia dos orçamentos tomados e das notas fiscais apresentadas”.

Falta clareza nos programas

A opinião dissonante é a de Juarez Freitas, professor de Direito Administrativo da UFRGS e da PUCRS e presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público:

– Eventos como o Natal Luz são eminentemente públicos e a aquisição de bens e contratação de serviços deve ser por meio de licitação. Fazer contratações por convênio com associação pode representar uma tentativa de contornar a lei. Onde existe recurso público, precisa haver controle público rigoroso. Pode ser incômodo e mais demorado, mas é o caminho constitucional. Esta é, portanto, uma festa da comunidade, logo precisa ser feita sob a regência do Direito Administrativo.

Para o economista Leandro Valiati, professor da UFRGS, consultor da Unesco e expert em leis de incentivo cultural, o problema está na condução dos programas públicos de apoio à cultura, que instalam uma “confusão entre público e privado”.

– Só com fiscalização séria e madura poderemos criar bases para investimentos públicos eficientes na cultura e rumar em direção a um mercado real, pois o que temos hoje é um acordo de mediocridade: os governos acham que fazem sua parte abrindo mão de impostos para o setor privado investir em cultura e deixam de exercer controles efetivos sobre resultados, eficiência e lisura do processo de geração de bens culturais.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Acompanho a "opinião dissonante" do professor Juarez Freitas que ministra Direito Administrativo na UFRGS e na PUCRS e é presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público. Eventos com dinheiro público são públicos e devem ser realizados de forma transparente e com licitação, para que o dinheiro público não tenha os desvios que hoje aparecem em eventos deste porte. A publicidade do emprego de recursos é que dá o nível de probidade de seus organizadores. O Natal Luz deixou suspeitas de apropriação indébita que exigiram a intervenção do MP. Quem deveria estar investigando ou se interessando por este caso ao lado do MP é a Câmara de Vereadores local para tratar da probidade dos prefeitos e secretários municipais envolvidos. O MP está certo, pois é sua atribuição defender o bem público quando outras instituições, responsáveis pela fiscalização e controle, não o fazem.

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