O Brasil precisa de um Ministério Público fiscal, probo, desburocratizado e inserido num Sistema de Justiça Criminal ágil, integrado e coativo, próximo das questões de ordem pública e envolvido dentro das corregedorias na defesa e execução das leis e na consolidação da supremacia do interesse público, contra a corrupção, imoralidades, improbidades, criminalidade e violência que afrontam a confiança nos Poderes, o erário, a vida, a educação, a saúde, o patrimônio e o bem-estar do povo brasileiro.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O INQUÉRITO POLICIAL ESTÁ EM CRISE?

Entrevista - Antônio Carlos Biscaia - Jus Navigandi.


Não há dúvida quanto à isso.

O inquérito é um procedimento de natureza investigatória que objetiva essencialmente, no nosso sistema, obter provas para formar o convencimento daquele que vai ajuizar a ação penal, em regra, a ação penal pública, o Ministério Público. O inquérito é instaurado para obter elementos de prova para que o Ministério Público possa decidir pelo oferecimento da denúncia ou pelo arquivamento, esta é a primeira finalidade do inquérito.

A segunda finalidade do inquérito é, já colher sustentação probatória mínima para que quando ele apresente a acusação na denúncia, o juiz não rejeite inicialmente. A prova mesmo para obter a decisão condenatória é obtida no processo. O inquérito tem essa finalidade.

Só que o sistema que foi estabelecido em nossa legislação processual penal é absoluta e completamente fora da realidade, por isso é que está em crise à muito tempo. E esta crise gera um índice de arquivamento de inquérito inaceitável, e ao mesmo tempo, quando gera o processo, é aquela seqüência de falhas na investigação que favorece sempre o autor da ação delituosa. Pegando só a questão do homicídio, os números são absurdos, quer dizer, investigações que não resultam em nada e quando resultam em processo a prova é absolutamente frágil em todos os sentidos.

É um inquérito também, que é presidido pela autoridade policial que tem super-poderes na condução do inquérito, e o controle que deve ser exercido pelo destinatário do inquérito, afinal de contas, o autor da ação, ele não acontece. Então...

Eu exerci a promotoria exatamente à 30 anos, numa fase em que o inquérito chegava em seu gabinete, você examinava, devolvia para polícia pedindo isso e aquilo, ele vinha ou não vinha, a situação não era tão grave de criminalidade, mas você ficava numa posição estática.

Já havia naquela época, um tipo de conflito entre o promotor, que é o destinatário, e a autoridade policial; alguns delegados entendiam que o promotor não poderia solicitar esta ou aquela diligência. Então, muitas vezes o que acontecia é que o inquérito rolava, não sei quanto tempo no vai e vem, e quando chegava num determinado momento a autoridade policial considerava concluído o inquérito e fazia um relatório, aí o promotor examinava e "pô, mas falta aqui uma coisa essencial". Aí é que ia pedir alguma diligência suplementar. Por tudo isso, é que a minha resposta é afirmativa á essa sua primeira indagação.

Pontuando a crise, que pontos podem ser indicados no sistema que colaboram para a crise?

Eu acho fundamentalmente a falta de controle, eu defendo o controle; não apenas o controle externo da atividade policial. Quando eu digo o controle externo da atividade policial, eu me refiro, exatamente, ao controle pelo Ministério Público, da atividade policial restrita à investigação e não no sentido de que o promotor vai chegar na delegacia e perguntar "Cadê o delegado de plantão"; não, não é isso. É controle quanto aquilo que efetivamente significa a ação investigatória.

Eu fiz, quando eu fui Procurador Geral, um levantamento, quer dizer, a crise é do inquérito, mas a crise é muito maior pela não instauração do inquérito, e aí entra até no assunto das VPIs, que estão institucionalizadas no Estado do Rio de Janeiro e na maioria das unidades federativas; mas, eu não me lembro em que ano foi exatamente, mas eu fui Procurador Geral....

Deve ter sido em 91/92, no Estado do Rio de Janeiro, foram registradas 110 mil ocorrências de crime, dessas, apenas 18 mil resultaram em inquérito. Será que os outros 80 mil não eram crimes? Até nisso não há o controle. Então eu defendo o controle, como eu defendo o controle também da própria instituição do Ministério Público e defendo até o controle do poder judiciário. Então, não é uma posição que seja persecutória com relação à policia, é uma posição de convicção.

Numa verdadeira democracia todas as instituições têm que estar submetidas à algum tipo de controle. Hoje a gente sabe que o poder que tem a polícia judiciária é um poder quase absoluto, porque como ela não é controlada ela decide o que ela vai investigar e de que maneira vai fazê-lo.

Além do controle, há necessidade de alguma outra modificação no sistema?

É claro. É lógico que sim. Se este modelo, é um modelo baseado na legislação italiana, ele 60 anos, aí não tem como. A gente defende algum tipo de alternativa para o inquérito policial como ele é hoje.

Ele é intrinsecamente inquisitório, mas na realidade ele acaba se tornando um verdadeiro contraditório, quer dizer, a defesa é exercida lá, os advogados peticionam, você recebe aqueles inquéritos numa confusão absoluta.

Então, a posição, aí, já numa posição de modificação de lei, é de um sistema completamente diferente, quer dizer, um procedimento investigatório que seja o que?! Eu disse no início que a finalidade é dupla, que a finalidade é de formar a convicção do promotor para que ele decida e que obtenha prova mínima para que o juiz não rejeite a ação penal inicialmente, então o inquérito pode ser feito de uma forma diferente. "Qual foi a ocorrência que houve ? Ah, o camarada ali, baleou outro no botequin" Então polícia vai para investigar. Ela: - "O que houve? Quem são as pessoas que presenciaram? Foram essas. E aí, como foi? Ele deu um tiro,..." Ele faz uma investigação sobre o fato, cadê a prova da materialidade, o cara foi baleado, com resultado morte, ou foi uma tentativa. Obtém esses elementos faz uma investigação com aquilo e encaminha para a decisão da ação penal, que dizer, o processo é depois, aquilo que hoje ocorre de se arrastar daquela maneira, ouvir todas aquelas pessoas, com a formalidade, expedir diligência... Isso tudo é absolutamente fora da nossa realidade e isso tudo favorece não positivamente a investigação. A apuração longe do fato é... .

Existem inquéritos que estão no vai e vem à 5 anos, quer dizer, é preferível que o promotor arquive, porque se ficou no vai e vem à 5 anos, 5 anos depois, com essa estrutura de polícia..., se à 5 anos nada foi apurado, quer dizer...

O sistema tem que visar esta investigação policial rápida e célere, a alteração do inquérito implica em que haja esta alteração do sistema, que também aí, significa uma alteração constitucional das atribuições das polícias. Por que a polícia militar não pode realizar uma pequena investigação? Por que tem que ser a polícia militar com sua atribuição exclusiva de prevenção e repressão e apuração das infrações penais de exclusividade da polícia civil? Não é de exclusividade.

Mas eles entendem até que o Ministério Público não pode realizar uma investigação. Isso é um absurdo. Eu sustentava, quando fui procurador geral e as centrais de inquérito foram criadas, com este objetivo também, se eu sou promotor, tomo conhecimento de uma ação criminosa e tenho a materialidade do crime, vou requisitar inquérito policial para que?! Se a vítima vem, certos crimes contra o costume, como o estupro, presta depoimento ao promotor, ele se convence, ela vai e presta o exame de corpo de delito, há materialidade de que ela sofreu violência. Acabou. O que se quer mais. Um crime em que a prova essencial é o depoimento da vítima, pelas circunstancias você vê que aquilo merece credibilidade, é suficiente para fazer a denúncia. Aí, vem os caras e põe lá, não, não pode, procedimento inominado feito pelo MP, não tem validade, ainda entra aí a questão da nulidade, querer contaminar a ação penal por uma possível nulidade da fase investigatória, quer dizer...Quando foram criadas as centrais de inquérito, um dos objetivos foi esse também.

Tal proposta de modificação tem algum país como exemplo?

O sistema norte-americano não dá para servir nem de base para a nossa argumentação, porque lá é júri para tudo, até para o indiciamento. E aí, toda investigação acaba sendo conduzida pelo júri para depois ter outro júri no julgamento. E o promotor ele é o condutor das investigações. A polícia judiciária é subordinada à ele.

No sistema italiano também. No sistema italiano, praticamente não existe este inquérito com uma polícia civil com a autonomia que existe aqui. No sistema italiano você tem uma polícia ostensiva de prevenção, e a apuração é conduzida pelos promotores que tem todo seu sistema de investigação e ainda integrando ao poder judiciário.

O poder que tem o delegado de polícia na condução da investigação penal, não há em quase nenhuma justiça criminal avançada em todo mundo. Por isso ele tem que ser alterado.

E por isso que quando se coloca na constituição de 1988 "o controle externo da atividade policial na forma da lei" e isso até hoje, decorridos 14 anos, ainda não está efetivado, é sinal do poderio que essa turma tem, porque a única regulamentação efetiva que houve foi na lei complementar do Ministério Público Federal, e nos Estados isso não... Não se sabe exatamente que lei seria essa " na forma da lei", por isso, isso é muito questionado. A nossa lei orgânica estadual do Rio de Janeiro foi sancionada agora, 1º dia de janeiro, confesso que nem li ainda.

Mas eu acho que o controle tem que ser fundamentalmente com relação às investigações.

A pergunta em relação à algum país inspirador se baseia justamente nos estudos por mim realizados, onde não pude constatar a semelhança da celeridade da proposta com os sistemas adotados pelos países estudados, muitos países privilegiam o contraditório na fase do inquérito que inclusive são mais longos.

Privilegiam mas qual o sistema lá? Mas quem conduz?

É o promotor, ou juiz de instrução.

Dentro do direito comparado está muito correto você mencionar estas posições.

Quanto ao juízo de instrução, considero ser ele absolutamente incompatível com a nossa realidade. Há quem sustente o juízo de instrução. Mas aí, existindo o juízo de instrução desaparece de vez a polícia judiciária. Não considero este o modelo adequado ao nosso ordenamento.

Você defende esta unificação da polícia, que previne e investiga?

Eu não sou favorável à este posicionamento. Eu acho que uma polícia preventiva e repressiva até tudo bem, mas a investigação tem que ser outra. De qualquer forma, o que ela não pode, é ter esta absoluta autonomia que ela tem hoje.

Como se deu a criação das Centrais de Inquérito?

O artigo 10 § 1º do CPP dita "prazo de conclusão do inquérito 10 dias, concluído o inquérito remeterá à autoridade judiciária competente". Então, o delegado quer mandar para o juiz, aí pede mais prazo, o juiz concede.

Há tempos atrás, não ia nem para o MP; o delegado pedia prazo, o juiz concedia. Isso, quando eu entrei na promotoria, acontecia com freqüência; o delegado mandava para o juiz e pedia mais prazo, o juiz dava 90 dias, voltava o inquérito para o delegado que remetia ao juiz e pedia mais 90 dias e o MP nem tinha conhecimento do inquérito, ficava no vai e vem entre autoridade policial e judiciário, uma coisa absurda.

Um belo dia o delegado relatava, aí mandava para o juiz, o juiz mandava para o MP naquele momento, então, isso não tem justificativa no nosso sistema, eu sempre tive esse ponto de vista.

Aí, veio a constituição de 88, e foi feito uma construção nesse sentido, foi até um primeiro estudo feito por um juiz, que hoje é desembargador Nagib Salib Filho. Ele pegou alguns dispositivos da constituição, fundamentalmente aqueles que tratam do MP, agora já era questão constitucional.

Então, se compete privativamente ao MP promover a ação penal, se compete exercer o controle externo da atividade policial e requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito, ele entendeu que isso deixou de ser atividade do juiz; ela é exclusiva do MP. Tanto é que quando o CPP diz "compete ao juiz requisitar inquérito", ele sustenta que depois de 88, esse poder o juiz não tem mais. A requisição do inquérito é atribuição institucional do Ministério Público. Então se o MP tem a privatividade da ação penal, se ele tem que requisitar a instauração do inquérito e se ele exerce o controle externo da atividade policial. Ele concluiu: não há porque mais o inquérito ser encaminhado ao juiz e sim ao promotor.

Com base nesse parecer do Nagib, foi aprovado pelo então corregedor, eu era o procurador geral de justiça a resolução que deu origem às Centrais de Inquérito.

Houve uma reação contrária intensa da polícia, ela não queria. Foi um ato do tribunal e um ato meu, no sentido que a partir de tal data os inquéritos não seriam mais distribuídos ao poder judiciário, seriam encaminhados diretamente.

O que significava, com base naquilo tudo, que o inquérito era instaurado, no prazo de 30 dias o delegado mandava para o MP, para as Centrais de Inquérito. Então o promotor examinava e decidia se remetia novamente à polícia, ou oferecia a denúncia, aí é que ele seria distribuído, ou ele pedia o arquivamento também judicial.

O primeiro desses atos dizia o seguinte: "não serão mais distribuídos os inquéritos policiais. A polícia somente encaminha para o poder judiciário medidas tais quais prisão em flagrante – aí é obrigação, medida de busca e apreensão e assim por diante. Inquérito que não tenha isso, encaminha diretamente para o MP".

Os delegados reagiram contra, tentaram..., isso foi um conflito muito grande, mas prevaleceu durante algum tempo, e as Centrais estavam funcionando bem, e aí nós vinculamos os promotores às delegacias, eles iam acompanhar inquérito e... ,

Depois vem o novo corregedor que revogou isso. Houve um retrocesso, que é a situação de hoje, ele restabeleceu a distribuição. O inquérito é distribuído, fixa a competência já para futura ação penal e depois de distribuído é que ele vai para a central.

Por que houve resistência da polícia?

Porque eles não querem sofrer o controle, eles temiam e temem até hoje, que na medida que eles remetam o inquérito ao MP e não ao juiz, eles vão acabar sendo subordinados ao MP. Uma briga de poder. Eles já perdem o poder muito nisso.

Agora, já existe um movimento de novos delegados, concursados, com outra mentalidade, favoráveis à isso. Nós tivemos reuniões com eles, e eles eram favoráveis, quer dizer, não tem nada o que temer. Vamos trabalhar em conjunto, afinado, isso é o melhor que tem, o melhor que tem é esse entrosamento.

A primeira finalidade das Centrais foi acabar com o aforamento do inquérito, porque o poder judiciário não tem nada à ver com inquérito. A Segunda finalidade é, na medida que você cria uma promotoria de investigação vinculada à uma delegacia você também visa o controle. Então isso facilita, porque o promotor já sabe quais são os inquéritos, ele tem como exercer a sua função. Na medida que você tem um promotor que não tem a função de atuar na ação, mas na investigação; que ele tenha determinadas delegacias das quais ele recebe os inquéritos, começa à se iniciar um processo de controle externo. Se ele for diligente ele vai de vez em quando na delegacia dele.

Aí você tem que mudar também a mentalidade do MP, o cara quer ficar no gabinetizinho dele... O promotor da investigação, ele tem que ter uma postura não de autoritarismo, e nem imaginar que o delegado lhe é subordinado. Ele tem que se aproximar, procurar o contato, isso é muito importante, um trabalho em conjunto.

As investigações que foram feitas dessa maneira, produziram resultados... Na fase inicial das Centrais o resultado foi excepcional. Crimes graves de repercussão foram investigados pelo MP em conjunto com a polícia: Chacina de Vigário Geral, Candelária.


APENDICE DO ARTIGO DE INESSA FRANCO FERREIRA: - A constitucionalidade procedimental do inquérito policial e seu controle pelo ministério público. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 520, 9 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 9 jan. 2012.

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