Investigações do ministério público indica que empresas ligadas ao publicitário Marcos Valério continuam a receber recursos públicos por meio de contratos feitos com pelo menos dois ministério e estatais
Por Claudio Dantas Sequeira e Izabelle Torres


Uma das principais conexões do Valerioduto, segundo o MP, é a empresa T&M Consultoria, que pertence ao advogado Rogério Tolentino, velho amigo, ex-sócio, um dos réus do mensalão e parceiro de Marcos Valério nos esquemas de corrupção. Documentos em poder do Ministério Público de Minas Gerais indicam que, apesar de não serem mais sócios formais, Valério e Tolentino dividem os lucros das consultorias e serviços prestados pela T&M a empresários interessados em vencer licitações em órgãos públicos. Uma das clientes da T&M é a ID2 Tecnologia. Com sede em Brasília, a pequena empresa, que tinha atuação inexpressiva na Esplanada, deu um salto invejável no seu faturamento. Após a intervenção da dupla Tolentino-Valério, a ID2 fechou vários contratos, um de R$ 15 milhões com o Ministério do Turismo e outro de R$ 14 milhões com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Os dois negócios da ID2, porém, foram reprovados pelos órgãos de controle. A Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou superfaturamento de R$ 11 milhões no contrato do Ministério do Turismo. No caso da Funasa, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), assinada pelo ministro Aroldo Cedraz, o contrato não foi cumprido de forma integral, faltando comprovações sobre o destino de pelo menos 24% dos recursos pagos. A ID2 nega qualquer relação com Tolentino e Valério. Procurado por ISTOÉ, o diretor de operações da empresa, Jessé Rovira, chegou a dizer que não tinha prestado serviço à Funasa. Confrontado com as ordens de pagamento do Ministério da Saúde, voltou atrás e admitiu a existência do contrato. “Foi entregue um sistema logístico para compra de medicamentos, que está implantado e em funcionamento”, disse Rovira, alegando desconhecer o parecer do TCU. A ID2 também foi contratada pelo Ministério dos Transportes para prestar serviços à Valec, estatal que foi alvo de ação recente da Polícia Federal. Na operação, foi preso o presidente da Valec, José Francisco das Neves, o Juquinha, ligado ao deputado Valdemar Costa Neto, cacique do PR e um dos réus do mensalão.

O advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, negou para a ISTOÉ a nova sociedade de seu cliente com Tolentino. Mas admitiu que o publicitário tem ampliado seu leque de atuação. “Ele possui um escritório de consultoria empresarial e de negócios”, disse o advogado. Este escritório vem a ser o mesmo usado por Tolentino no sexto andar do número 925 da rua Sergipe, no bairro Savassi, em Belo Horizonte. “Eles dividem o espaço, mas atuam de forma independente”, diz Leonardo. O advogado não esclarece que tipo de consultorias são essas.

Outra possível extensão do Valerioduto na mira do Ministério Público é a agência Fields Comunicação, criada pelo fotógrafo publicitário Sidney Campos. Pouco conhecido no mercado até recentemente, Campos é tratado em Brasília como “pupilo” de Valério. O início da parceria entre os dois foi o que chamou a atenção do MP. Em 2003, a SMP&B de Valério ganhou o contrato de publicidade da Câmara Legislativa do Distrito Federal na gestão do então deputado Benício Tavares (PMDB). O contrato 013/03 da SMP&B era compartilhado com a agência M. Cohen, que passou às mãos de Sidney Campos na assinatura do primeiro aditivo contratual. Campos depois mudou o nome da empresa para DCR Comunicação e logo virou o controlador do contrato. Em outubro de 2005, temendo ser envolvido com o escândalo do mensalão, o deputado Tavares (que foi denunciado em junho por corrupção passiva e lavagem de dinheiro), aconselhou Valério a retirar a SMP&B da conta da Câmara Legislativa. Planilhas de despesas de propaganda obtidas por ISTOÉ revelam entretanto que a SMP&B, mesmo não fazendo parte formalmente do contrato, continuou recebendo os pagamentos. Um relatório do terceiro trimestre de 2006 mostra que a Câmara emitiu um total de nove notas fiscais em nome da DCR, mas com o CNPJ da SMP&B. A maquiagem nos documentos oficiais permitiu que a agência de Marcos Valério embolsasse, só naquele período, mais de R$ 5 milhões.

A possível fraude, no entanto, rendeu muito mais. O mesmo contrato de publicidade da Câmara Legislativa, assinado em 2003, recebeu cinco aditivos seguidos, estendendo sua duração até 2008. Seu valor saltou dos R$ 9 milhões iniciais para quase R$ 52 milhões. Auditores do Tribunal de Contas do DF, com base em questionamento da procuradora Claudia Fernanda, além de considerarem ilegal a prorrogação do contrato após a saída da SMP&B, também identificaram um prejuízo aos cofres públicos de mais de R$ 4 milhões – e isso numa amostragem de 40% das notas fiscais. Com o fim do contrato com a Câmara, a DCR Comunicação passou a operar com outro CNPJ, em nome de DCR Marketing e Propaganda. Campos rebatizou a empresa com o nome de Fields Comunicação. Naquele mesmo ano de 2008, conseguiu a conta de publicidade do Ministério do Esporte, na gestão de Orlando Silva. O que também intrigou os procuradores é que, antes de Campos, quem cuidava da publicidade do Esporte era justamente Marcos Valério, por meio da SMP&B. Alvo da CPI que investigou o mensalão em 2005, esse contrato da SMP&B com o Ministério do Esporte sofreu auditorias. A devassa encontrou diversas irregularidades, entre elas o direcionamento de patrocínios para entidades de Minas Gerais, subcontratações, pagamentos indevidos de honorários e fraudes na comprovação de despesas.

Apesar de o MP ver indícios de que Valério estaria por trás de Sidney Campos, o dono da Fields Comunicação nega conhecer o pivô do mensalão. “Nunca o vi, nem me reuni com ele”, diz. Procurado pela reportagem da ISTOÉ, Sidney também negou inicialmente que fosse sócio da DCR Comunicação quando a empresa atuava na Câmara Legislativa. Confrontado, porém, com os documentos internos da Câmara, ele acabou admitindo sua participação na agência e no polêmico contrato. “Mas nunca repassei dinheiro para a SMP&B”, afirma. O publicitário atribui seu sucesso ao talento para atrair celebridades para peças publicitárias de órgãos públicos, sem pagamento de cachê. Foi assim, segundo ele, no convite a Pelé e Ronaldo Fenômeno para estrelarem a campanha da Copa de 2014. O contrato de divulgação de grandes eventos esportivos, avaliado em R$ 44 milhões, também foi entregue à Fields.





Fotos: Cláudio Cunha/1º Plano; Daniel Ferreira/CB/D.A Press; Alan Marques/Folhapress; Adriano Machado
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