
O publicitário Marcos Valério é considerado um dos maiores arquivos
vivos da história recente do País. Acusado de ser o operador do esquema
de corrupção que escoou milhões em recursos públicos para o caixa de
partidos e políticos, Marcos Valério certamente é, entre os 38 réus do
processo do mensalão, o que teria mais a revelar. No entanto, nos
últimos sete anos, apesar de ter sido preso, desmoralizado publicamente e
vivido às voltas com processos de cobrança na Justiça de uma dívida de
pelo menos R$ 83 milhões, Valério manteve-se em silêncio. Mesmo sob o
risco de ser condenado no STF a 43 anos de prisão, o publicitário
mineiro permanece calado. Para o Ministério Público, o mutismo de
Valério significa apenas um trunfo esperto, uma espécie de moeda de
troca contra os mesmos políticos que ajudou lá atrás. Esse jogo de
barganha estaria servindo ao propósito de manter o Valerioduto em plena
atividade. Novas investigações, que correm em sigilo, e o cruzamento de
contratos públicos feitos por ISTOÉ indicam que Marcos Valério segue
faturando alto, operando de forma mais discreta com a ajuda de novos
intermediários e empresas.

Uma das principais conexões do Valerioduto, segundo o MP, é a empresa
T&M Consultoria, que pertence ao advogado Rogério Tolentino, velho
amigo, ex-sócio, um dos réus do mensalão e parceiro de Marcos Valério
nos esquemas de corrupção. Documentos em poder do Ministério Público de
Minas Gerais indicam que, apesar de não serem mais sócios formais,
Valério e Tolentino dividem os lucros das consultorias e serviços
prestados pela T&M a empresários interessados em vencer licitações
em órgãos públicos. Uma das clientes da T&M é a ID2 Tecnologia. Com
sede em Brasília, a pequena empresa, que tinha atuação inexpressiva na
Esplanada, deu um salto invejável no seu faturamento. Após a intervenção
da dupla Tolentino-Valério, a ID2 fechou vários contratos, um de R$ 15
milhões com o Ministério do Turismo e outro de R$ 14 milhões com a
Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Os dois negócios da ID2, porém, foram reprovados pelos órgãos de
controle. A Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou
superfaturamento de R$ 11 milhões no contrato do Ministério do Turismo.
No caso da Funasa, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União
(TCU), assinada pelo ministro Aroldo Cedraz, o contrato não foi
cumprido de forma integral, faltando comprovações sobre o destino de
pelo menos 24% dos recursos pagos. A ID2 nega qualquer relação com
Tolentino e Valério. Procurado por ISTOÉ, o diretor de operações da
empresa, Jessé Rovira, chegou a dizer que não tinha prestado serviço à
Funasa. Confrontado com as ordens de pagamento do Ministério da Saúde,
voltou atrás e admitiu a existência do contrato. “Foi entregue um
sistema logístico para compra de medicamentos, que está implantado e em
funcionamento”, disse Rovira, alegando desconhecer o parecer do TCU. A
ID2 também foi contratada pelo Ministério dos Transportes para prestar
serviços à Valec, estatal que foi alvo de ação recente da Polícia
Federal. Na operação, foi preso o presidente da Valec, José Francisco
das Neves, o Juquinha, ligado ao deputado Valdemar Costa Neto, cacique
do PR e um dos réus do mensalão.

O advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, negou para a ISTOÉ a
nova sociedade de seu cliente com Tolentino. Mas admitiu que o
publicitário tem ampliado seu leque de atuação. “Ele possui um
escritório de consultoria empresarial e de negócios”, disse o advogado.
Este escritório vem a ser o mesmo usado por Tolentino no sexto andar do
número 925 da rua Sergipe, no bairro Savassi, em Belo Horizonte. “Eles
dividem o espaço, mas atuam de forma independente”, diz Leonardo. O
advogado não esclarece que tipo de consultorias são essas.

Outra possível extensão do Valerioduto na mira do Ministério Público é
a agência Fields Comunicação, criada pelo fotógrafo publicitário Sidney
Campos. Pouco conhecido no mercado até recentemente, Campos é tratado
em Brasília como “pupilo” de Valério. O início da parceria entre os dois
foi o que chamou a atenção do MP. Em 2003, a SMP&B de Valério
ganhou o contrato de publicidade da Câmara Legislativa do Distrito
Federal na gestão do então deputado Benício Tavares (PMDB). O contrato
013/03 da SMP&B era compartilhado com a agência M. Cohen, que passou
às mãos de Sidney Campos na assinatura do primeiro aditivo contratual.
Campos depois mudou o nome da empresa para DCR Comunicação e logo virou o
controlador do contrato. Em outubro de 2005, temendo ser envolvido com o
escândalo do mensalão, o deputado Tavares (que foi denunciado em junho
por corrupção passiva e lavagem de dinheiro), aconselhou Valério a
retirar a SMP&B da conta da Câmara Legislativa. Planilhas de
despesas de propaganda obtidas por ISTOÉ revelam entretanto que a
SMP&B, mesmo não fazendo parte formalmente do contrato, continuou
recebendo os pagamentos. Um relatório do terceiro trimestre de 2006
mostra que a Câmara emitiu um total de nove notas fiscais em nome da
DCR, mas com o CNPJ da SMP&B. A maquiagem nos documentos oficiais
permitiu que a agência de Marcos Valério embolsasse, só naquele período,
mais de R$ 5 milhões.

A possível fraude, no entanto, rendeu muito mais. O mesmo contrato de
publicidade da Câmara Legislativa, assinado em 2003, recebeu cinco
aditivos seguidos, estendendo sua duração até 2008. Seu valor saltou dos
R$ 9 milhões iniciais para quase R$ 52 milhões. Auditores do Tribunal
de Contas do DF, com base em questionamento da procuradora Claudia
Fernanda, além de considerarem ilegal a prorrogação do contrato após a
saída da SMP&B, também identificaram um prejuízo aos cofres públicos
de mais de R$ 4 milhões – e isso numa amostragem de 40% das notas
fiscais. Com o fim do contrato com a Câmara, a DCR Comunicação passou a
operar com outro CNPJ, em nome de DCR Marketing e Propaganda. Campos
rebatizou a empresa com o nome de Fields Comunicação. Naquele mesmo ano
de 2008, conseguiu a conta de publicidade do Ministério do Esporte, na
gestão de Orlando Silva. O que também intrigou os procuradores é que,
antes de Campos, quem cuidava da publicidade do Esporte era justamente
Marcos Valério, por meio da SMP&B. Alvo da CPI que investigou o
mensalão em 2005, esse contrato da SMP&B com o Ministério do Esporte
sofreu auditorias. A devassa encontrou diversas irregularidades, entre
elas o direcionamento de patrocínios para entidades de Minas Gerais,
subcontratações, pagamentos indevidos de honorários e fraudes na
comprovação de despesas.

Apesar de o MP ver indícios de que Valério estaria por trás de Sidney
Campos, o dono da Fields Comunicação nega conhecer o pivô do mensalão.
“Nunca o vi, nem me reuni com ele”, diz. Procurado pela reportagem da
ISTOÉ, Sidney também negou inicialmente que fosse sócio da DCR
Comunicação quando a empresa atuava na Câmara Legislativa. Confrontado,
porém, com os documentos internos da Câmara, ele acabou admitindo sua
participação na agência e no polêmico contrato. “Mas nunca repassei
dinheiro para a SMP&B”, afirma. O publicitário atribui seu sucesso
ao talento para atrair celebridades para peças publicitárias de órgãos
públicos, sem pagamento de cachê. Foi assim, segundo ele, no convite a
Pelé e Ronaldo Fenômeno para estrelarem a campanha da Copa de 2014. O
contrato de divulgação de grandes eventos esportivos, avaliado em R$ 44
milhões, também foi entregue à Fields.

O Ministério Público investiga os passos de Marcos Valério em outras
fontes também. Segundo um procurador que pede anonimato, o publicitário
tem se movimentado para operar ainda nos setores de petróleo e
construção civil, de olho principalmente na reforma de aeroportos, como o
de Confins. Prospecta igualmente oportunidades de negócios com a Copa
de 2014 e a Olimpíada de 2016. Nessa linha, o MP amplia sua investigação
para a atuação das agências MG5 e Solimões Publicidade, que têm como
donos Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, ex-sócio de Valério. Chama a
atenção dos procuradores o fato de que Valério e seus ex-parceiros,
mesmo com seus bens bloqueados judicialmente e sem renda aparente,
conseguem manter um alto padrão de vida. Valério, por exemplo, adquiriu
nos últimos três anos duas casas de alto padrão localizadas em Minas
Gerais. Além de registrar os imóveis em nome da filha, ele declarou
valores bem abaixo dos de mercado. Uma das casas, comprada oficialmente
por R$ 550 mil, valia pelo menos o dobro no mercado à época da
transação, em 2009. O advogado de Valério alega que os imóveis são da
filha, de apenas 21 anos, e estão declarados à Receita Federal.

A situação atual de Valério é bem diferente daquela imediatamente
posterior ao escândalo do mensalão e ao bloqueio de bens. Na ocasião,
alegando estar sem dinheiro, o publicitário pediu à mulher, Renilda
Santiago, que procurasse o ex-tesoureiro Delúbio Soares em seu
apartamento em São Paulo, onde ficou recluso durante meses. A proposta
de Valério era de que o PT quitasse seus cartões de crédito e lhe
pagasse R$ 100 mil por mês, caso contrário ele contaria tudo sobre o
mensalão. A situação de penúria de Valério parece que durou pouco.
Fotos: Cláudio Cunha/1º Plano; Daniel Ferreira/CB/D.A Press; Alan Marques/Folhapress; Adriano Machado