O Brasil precisa de um Ministério Público fiscal, probo, desburocratizado e inserido num Sistema de Justiça Criminal ágil, integrado e coativo, próximo das questões de ordem pública e envolvido dentro das corregedorias na defesa e execução das leis e na consolidação da supremacia do interesse público, contra a corrupção, imoralidades, improbidades, criminalidade e violência que afrontam a confiança nos Poderes, o erário, a vida, a educação, a saúde, o patrimônio e o bem-estar do povo brasileiro.

segunda-feira, 4 de março de 2013

CRIAR AS CONDIÇÕES PARA COIBIR A CORRUPÇÃO


JORNAL DO COMERCIO 04/03/2013

Queremos criar condições para coibir a corrupção, diz Lima Veiga

Fernanda Bastos




MARCELO G. RIBEIRO/JC

Eduardo de Lima Veiga, 50 anos, é natural de Uruguaiana

O procurador-geral de Justiça do Estado, Eduardo de Lima Veiga, definiu como uma de suas metas à frente do Ministério Público (MP) o combate à corrupção. A um mês de completar dois anos no comando do MP, Lima Veiga analisa que as principais contribuições para combater maus feitos com o dinheiro público foram a informatização de dados e documentos, como notas fiscais, e o desenvolvimento de programas que cruzam os resultados, permitindo que os servidores façam comparações.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o procurador-geral de Justiça do Estado relata que os chamados dados abertos, consequência da aprovação da Lei de Acesso à Informação, são elementos de destaque no combate a irregularidades. Veiga destaca que a contribuição da população também tem sido fundamental para o acesso às denúncias.

Lima Veiga ainda faz duras críticas à Proposta de Emenda à Constituição 37, que impede que outros órgãos que não as polícias conduzam investigações. A aprovação do texto que está tramitando no Congresso Nacional, na avaliação do procurador, seria um retrocesso para o País.

Jornal do Comércio - Uma das metas da sua gestão era o combate à corrupção. O que foi possível avançar neste tema?

Eduardo de Lima Veiga - Desenvolvemos uma série de operações. A tarefa do administrador é dar as condições para que os colegas façam isso, porque corrupção é preciso descobrir. Em sonegação fiscal, ajuizamos, no ano de 2011, R$ 170 milhões em denúncias criminais, envolvendo em torno de 70 a 80 pessoas. Em 2012, foram R$ 300 milhões, fora o que foi cobrado amigavelmente, por meio de negociação da dívida antes do oferecimento da denúncia. Mas o que não conseguimos resolver assim é a maioria dos casos. E agora fizemos um acordo com a Secretaria Estadual da Fazenda, em que eles nos forneceram todas as notas fiscais emitidas contra o poder público no ano de 2012, e colocamos em um programa de computador. Estamos na fase de avaliação destes dados. É possível descobrir quanto a prefeitura pagou por feijão e fazer o comparativo, que volume foi comprado por habitante e quanto ele pagou. Sabemos, por exemplo, que uma prefeitura pagou, na época da eleição, R$ 0,20 a mais que o que a média do preço de gasolina pago por todo mundo. Nosso próximo passo é ter acesso às notas eletrônicas de pessoa física, para podermos saber quanto a prefeitura paga por uma caneta e quanto o particular paga. Isso tudo vai ficar à disposição dos colegas para que eles possam fazer a avaliação.

JC - A Lei de Acesso à Informação e os portais de transparência também contribuem para a fiscalização?

Lima Veiga - Muito. O Portal da Transparência, à parte da curiosidade de todo mundo de saber quanto ganhou fulano (devido à publicação dos salários), trouxe como grande contribução o que se chama de dados abertos, através da Lei de Acesso à Informação. Esses dados abertos são aqueles que a gente não entende, mas os computadores leem e podem fazer este tipo de cruzamento de dados. Teve uma prefeitura de uma cidade grande, que não é Porto Alegre, que comprou três vezes mais feijão do que a segunda colocada. O número em si não quer dizer que tenha alguma coisa errada, mas esta compreensão dos números faz com que se possa fazer a pergunta eventualmente correta. Em uma região só quem fornece o gênero alimentício é um determinado fornecedor: isso também pode causar estranheza. Descobrimos prefeituras grandes que não têm gasto com gasolina. Isso porque usam cartão de combustível. Então, vamos compreendendo a administração e fazendo comparações. Por exemplo, faz sentido uma prefeitura pagar combustível R$ 0,20 acima do preço médio no Estado? Não sei. Preciso ir lá ver para saber. Esse talvez seja o grande salto de qualidade que estamos dando. Estive em diversas cidades apresentando esse novo sistema para os colegas para que eles possam usar o que está à disposição deles, para que eles possam fazer esse tipo de pergunta que eu não teria resposta. Eles é que devem buscar resposta nos seus municípios.

JC – A contribuição do cidadão é importante?

Lima Veiga - Existe o cidadão interessado, que percebe alguma coisa errada e pede providências. Recebemos muito pela internet hoje. Especialmente na área do consumidor, que é muito do prejudicado. Isso gera expedientes contra empresas, que já foram condenadas várias vezes, pagaram multas. Na área de corrupção, tem duas grande fontes: a imprensa - quando o repórter descobre alguma coisa e tem uma hora em que ele não consegue avançar mais na investigação dele, por sigilo e por uma série de coisas, e ele oferece aquilo para o MP - e a oposição. O derrotado na eleição se transfere para o gabinete do promotor no Interior. Existem coisas sérias e existem coisas que são só intriga. Às vezes é difícil separar uma coisa da outra, aí se perde muito tempo em coisas que não fazem o menor sentido. Mas a principal fonte de corrupção, o principal controle, é a oposição.

JC - Como avalia o trabalho do MP nas eleições?

Lima Veiga - Sou promotor há 24 anos. E talvez tenha sido a melhor atuação do MP nos últimos tempos de eleições. Nada ficou sem investigação. Tivemos vários casos de corrupção comprovados, de compra de votos ou de compra de votos com dinheiro ou de compra de votos com fornecimento de material. E, nesses casos, vale tudo, brita, gasolina, tijolo, telha, uso dos prédios públicos como material de campanha ou como armazenamento de material de campanha, que também são condutas vedadas. Os colegas foram muito vigilantes. Temos o Gabinete de Assessoramento Eleitoral, onde ficaram, durante o período das eleições, dois colegas que são experts na área eleitoral, Rodrigo Zilio e (José Francisco) Seabra (Mendes Júnior). Eles orientavam os colegas, que entraram com todas as ações possíveis para garantir, o que no fundo a legislação procura quando estabelece o que chamamos de condutas vedadas, estabelecer a paridade de armas da disputa eleitoral. Para que ninguém tenha vantagem sobre o outro na propaganda, no assédio – no bom assédio – ao eleitor. Que todos consigam fazer a campanha mais ou menos em igualdade de condições. Esse é o único objetivo do MP e o objetivo da legislação. É garantir a lisura e a paridade de armas na disputa do pleito eleitoral.

JC – Foi possível cumprir os prazos?

Lima Veiga - Uma das coisas boas da Justiça Eleitoral é que ela é instantânea. Se não tomamos uma providência imediatamente, aquela providência não pode ser tomada. Existe, evidentemente, um prazo de recursos, mas as decisões são imediatas na Justiça Eleitoral. Tanto é que todos os municípios que terão segundo pleito por irregularidades ou por prefeitos cassados por alguma irregularidade o farão em março e abril. E se espera que em abril esteja tudo liquidado. Em matéria de Justiça, isso é primeiríssimo mundo.

JC – Qual sua posição sobre a PEC 37, que tem como objetivo limitar às polícias a prerrogativa de investigação?

Lima Veiga – Houve uma discussão com a Constituição de 1988, se o Ministério Público podia ou não investigar diretamente. Essa discussão foi jurídica, e o MP ganhou essa discussão jurídica, porque o Supremo já disse que pode, o STJ já disse que pode e todos outros tribunais de justiça já disseram que pode. Esta PEC é uma reação a esta vitória jurídica, e por quê? Vejo duas vertentes dessa reação. A primeira delas, é de uma reserva de mercado dos delegados de polícia e delegados de Polícia Federal. Como eles perderam a discussão jurídica, eles tentam agora, por outra via, estabelecer um monopólio em seu favor, e em favor próprio, de que só eles possam investigar. Tínhamos o modelo de só a polícia investigar, antes de 1988, e deu no que deu. Todos sabemos o tipo de criminalidade que se instalou no Brasil, a criminalidade organizada e a corrupção. O segundo ponto é que o atual modelo garante que as instituições se investiguem umas as outras, trabalhem junto, colaborem. Está faltando crime? Está tudo resolvido, todos os crimes foram descobertos? Se a realidade fosse essa, ótimo.

JC - Mas não é.

Lima Veiga - Sobram crime e corrupção. Então, por que vedar outros? Evidentemente que a polícia sempre vai ser a que vai fazer mais investigações, a que vai tratar de mais crimes, porque ela existe só para isso. Mas vedar outras instituições que também podem fazer isso, não tem nenhum sentido. Estaríamos retornando ao século XVII. O Ministério Público e outras instituições erram de vez em quando. E quando erramos, queremos pagar o preço. Mas estamos pagando um preço pelos acertos. Acertamos, incomodamos gente, e gente que nunca foi incomodada por ninguém, nem pela polícia. Isto é uma reação ao incômodo que causamos, porque acertamos. Várias investigações de políticos e de gente de dinheiro, de sonegador fiscal, de crime de colarinho branco não aconteceriam se não fosse o Ministério Público. Esta gente, por mais estranho que possa parecer - pra mim parece estranho isso – junto com os delegados são os que estão apoiando a PEC 37.

JC – O MP é uma das instituições que estão encaminhando pedido de reajuste, com base nos salários do STF. Como o senhor avalia as críticas ao efeito cascata e também de que o Judiciário, com esta medida, estaria retirando recursos de áreas importantes no Estado?

Lima Veiga - O orçamento do Estado sempre é finito, não se tem dúvida nenhuma. No nosso caso específico, houve uma opção legislativa, o Congresso Nacional em determinado momento disse que o Ministério Público e o Poder Judiciário receberiam através de subsídio, e disse como seria esse subsídio. A Constituição diz que isso será reajustado anualmente. O reajuste anual não veio. Estamos falando de subsídio que foi criado em 2004, passou a vigorar no País em 2005, e no Rio Grande do Sul só chega em 2007. O valor que o Brasil inteiro ganhou em 2005, o Estado só ganhou em 2007. O sentido era uniformizar o que todo mundo recebe. Havia algumas distorções. Corta em cima, todo mundo vai ganhar a mesma coisa, não tem mais vantagem nenhuma. Isso acontece em 2005, o Rio Grande do Sul recebe em 2007. O primeiro aumento vem em 2009, em duas parcelas. Uma em 2009 e outra em 2010. Reajuste, não aumento: naquela época não cobria a inflação.

JC - E mais recentemente?

Lima Veiga - De 2010 para cá, nada, estamos em 2013. Promete-se 5% para este ano, 5% em 2014 e 5% em 2015. Não foi recuperado nada para trás, está se dando esse ano 5% sabendo que a inflação será de 6,5% a 7,5%. Ainda haverá prejuízo de 1,5% a 2,5% em cada ano. Ora, me parece uma injustiça muito grande agora colocar no ombro dos promotores de Justiça, dizendo que há efeito cascata. Foi o Congresso Nacional que decidiu assim. Foi o Congresso Nacional que disse que teríamos reajustes anuais, e não temos reajustes anuais. E quando temos um reajuste parcial, que minimiza a perda, mas sequer põe a inflação, somos culpados do reajuste anual. Tem alguma coisa muito errada nessa conta toda. Não somos evidentemente os algozes, porque o nosso poder de compra do salário vem caindo, desde que o subsídio foi instituído.


Perfil

Eduardo de Lima Veiga, 50 anos, é natural de Uruguaiana. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1986. Dois anos depois, cursou pós-graduação lato sensu na George Washington University - School of Business & Public Management. Ingressou no Ministério Público do Estado em 1989, após passar no concurso público. Atuou como promotor nos anos 1990, chegando a procurador de Justiça em 2002. Coordenou o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude e o Centro de Apoio Criminal (2004-2007). Já lecionou disciplinas ligadas ao Direito Penal e Direito Civil em universidades. Foi vice-presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) dos estados e da União de 2011 até o ano passado e presidente do Grupo Nacional de Direitos Humanos – GNDH/CNPG no mesmo período. Em 2011, ficou em segundo lugar na lista tríplice encaminhada pelo Ministério Público para a escolha do procurador-geral de Justiça, obtendo 305 votos (47,14%), mas foi o escolhido pelo governador Tarso Genro (PT) para a gestão que se encerra neste ano.

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