EDITORIAL - O GLOBO, 06/09/2011 às 18h01m
Um levantamento divulgado em abril pelo Ministério da Justiça, com base na pesquisa Mapas da Violência 2011, mostrou que só 8% dos cerca de 50 mil homicídios cometidos por ano no país são resolvidos. No total, o perfil - elaborado a partir principalmente dos índices de produtividade das delegacias policiais dos estados - registrava que, até 2007, havia no Brasil pelo menos cem mil inquéritos inconclusos sobre assassinatos. Inaceitáveis, estes números levaram o Conselho Nacional do Ministério Público a criar, em parceria com a Pasta da Justiça, o Conselho Nacional de Justiça, e governos esta duais, a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), que estabeleceu como meta tentar concluir até o fim de 2011 os inquéritos criminais abertos até quatro anos atrás.
A providência tinha bons propósitos. Homicídios não solucionados comprometem a credibilidade da polícia e da Justiça, principalmente quando os índices alcançam a dimensão demonstrada pelos Mapas da Violência. Mas, vê-se agora, a "metodologia" aplicada pelo Ministério Público em praticamente todo o país, para cumprir a meta do Enasp, em vez de ajudar a resolver a questão dos crimes sem castigo, apenas varreu o problema para debaixo do tapete. Em quatro meses (de abril a julho), os MPs arquivaram 80% dos casos em investigação, revelou série de reportagens do GLOBO. Somente no Rio de Janeiro, o índice de arquivamento de inquéritos chegou a 96%. Em Goiás, o encerramento de processos de assassinatos sem autoria conhecida foi a 97%. Em Pernambuco, o índice atingiu 85%, e em São Paulo, 71%.
Trata-se de óbvia adulteração dos objetivos que pautaram a Enasp. Ao definir a meta de zerar, ou de chegar a algo próximo disso, as pilhas de inquéritos antigos à espera de solução (pelo oferecimento de denúncia contra suspeitos, limitando-se o arquivamento aos casos efetivamente impossíveis de serem esclarecidos), o órgão visava a combater a impunidade, com o esclarecimento dos crimes e a consequente punição dos responsáveis. Mas o arquivamento em massa de casos não resolvidos tem apenas efeito estatístico. Na prática, é uma patranha contra o princípio de uma Justiça que deve proteger a sociedade.
Com esse procedimento, os promotores alimentam uma cadeia de atos que desservem à Justiça brasileira. Essa rede, que ceva a impunidade, começa nos maus serviços das delegacias (pelo sucateamento das repartições policiais, pela falta de estrutura técnica para obtenção de provas, pelo déficit do número de investigadores e pela inexistência de uma política nacional integrada de segurança). Passa, como se vê, por essa inapetência investigadora do MP e se completa na burocracia e na lentidão dos ritos judicantes do país. Desse somatório resultam, entre outros males, baixas taxas de resolução de crimes, estímulo a afrontas à lei e, como decorrência, crescente descrédito da população com a capacidade de estas instituições cumprirem seu pressuposto de guardiãs do estado de direito.
O Brasil precisa de um Ministério Público fiscal, probo, desburocratizado e inserido num Sistema de Justiça Criminal ágil, integrado e coativo, próximo das questões de ordem pública e envolvido dentro das corregedorias na defesa e execução das leis e na consolidação da supremacia do interesse público, contra a corrupção, imoralidades, improbidades, criminalidade e violência que afrontam a confiança nos Poderes, o erário, a vida, a educação, a saúde, o patrimônio e o bem-estar do povo brasileiro.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
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