A sigla que ganhou os protestos de rua
JULIANA BUBLITZ
Cartazes repudiando a PEC 37, com referências à sinalização das placas de trânsito, foram vistos nos protestos que ganharam o Brasil. Por trás da sigla, estava o objetivo de
mudar a Constituição para tirar o poder de investigação do Ministério Público. Com a pressão popular, o resultado foi imediato: os parlamentares derrubaram a proposta.
Antes de as manifestações nas ruas atingirem o auge no país, você saberia definir com exatidão o significado da sigla PEC? E se essas três letras fossem seguidas do número 37?
Graças aos protestos, as chamadas propostas de emenda à Constituição, até então restritas aos jargões dos meios jurídico e político, tornaram-se tão populares quanto um hit da cantora Ivete Sangalo. O que poucos sabem é que a PEC 37, repudiada nas manifestações que moveram multidões, é só uma entre centenas atualmente em tramitação.
Coincidência ou não, o fenômeno vem à tona no ano em que a Carta Magna brasileira completa um quarto de século. E, apesar de ser visto com certo ceticismo, é saudado por especialistas.
– Essa apropriação é positiva, porque as PECs são a forma de alterar a Constituição e, consequentemente, os valores da sociedade. E a sociedade evolui. Não é a mesma de 25 anos atrás – diz o professor de Direito Constitucional Pedro Abramovay, da FGV Direito Rio.
Em vigor desde 1988, a Constituição Federal contabiliza 73 emendas a partir de 1992, isto é, alterações pontuais que nasceram de PECs. Aprovar uma dessas mudanças tende a ser mais complicado do que sancionar uma lei (veja quadro na página ao lado). Mesmo assim, todos os anos, centenas são apresentadas no Congresso e sequer chegam ao conhecimento público.
A partir de uma pesquisa nos sites da Câmara e do Senado é possível listar 4,9 mil propostas sugeridas. A soma inclui não apenas as PECs em discussão, mas também aquelas que estão paradas e as que foram arquivadas, rejeitadas e apensadas (anexadas a outras) nos últimos 25 anos.
Entre os constitucionalistas, o significado desse emaranhado de proposições não é consensual. Para alguns, deve ser encarado com naturalidade, por fazer parte do processo democrático e resultar de tentativas legítimas – embora nem sempre profícuas – de atualizar trechos constitucionais considerados ultrapassados. Para outros, é motivo de alerta.
– O problema é que essa enxurrada de PECs vai criando novas distorções. Não precisamos disso. O que precisamos é repensar a fundo o sistema político e institucional brasileiro. Quanto mais PECs se aprova, maior fica a Constituição, maior o número de normas e mais PECs são necessárias – pondera o jurista Cezar Saldanha, professor titular de Direito Constitucional da UFRGS.
Hoje é possível identificar cerca de 260 PECs prontas para serem votadas a qualquer momento, número que muda diariamente. Todas elas já passaram pelos trâmites internos obrigatórios, mas só poderão entrar na pauta se houver acordo político. Do contrário, correm o risco de ficar meses – e até anos – paradas.
É o caso da PEC 20, de 1999, uma das mais antigas no limbo do Senado. Seu objetivo é reduzir a imputabilidade penal para 16 anos. Como o tema é polêmico, está longe de consenso.
Por outro lado, justamente por conta das mobilizações nas ruas e da consequente pressão popular, muitas modificações importantes avançaram nas últimas semanas. Entre elas, estão a redução do número de suplentes ao cargo de senador e a decisão de facilitar a apresentação de projetos de lei (e até mesmo de PECs) de iniciativa popular. Ambas tiveram aprovação inicial , mas seguem em análise.
Resta saber se a população vai se preocupar com essas e outras propostas tanto quanto se preocupou com a rejeitada PEC 37.
EM DISCUSSÃO
LIMITAÇÃO DOS PODERES DO STF - Apresentada em maio de 2011 pelo deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI), a PEC 33 busca limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo que os parlamentares revisem decisões. A proposta gerou crise entre a Corte e o Congresso. Em abril, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o texto, desencadeando críticas. A pressão retardou a comissão especial que seria criada para a análise. Por enquanto, a polêmica está em banho-maria.
COMO FUNCIONARIA - Em caso de aprovação, seriam ampliados de seis para nove os votos necessários para que o STF declare a inconstitucionalidade de leis e de atos normativos do poder público. Quando o STF declarasse a inconstitucionalidade de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso, os parlamentares teriam 90 dias para rever o ato.
O QUE É - Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é o instrumento para modificações no texto da Constituição.
QUEM PODE APRESENTAR - Uma PEC pode ser apresentada pela Presidência da República, por deputados federais, por senadores ou pelas Assembleias Legislativas. No caso dos deputados federais e dos senadores, é necessário que a proposta tenha apoio de pelo menos um terço da Câmara ou do Senado. No caso das Assembleias, mais da metade delas deve ser a favor.
AS LIMITAÇÕES - A Constituição não pode receber emendas em caso de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio. Também não são admitidas PECs que proponham abolir a federação, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e as garantias individuais.
COMO É A TRAMITAÇÃO - A proposta é discutida e votada tanto na Câmara quanto no Senado, em dois turnos, sendo aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos.
AS EMENDAS - Toda PEC aprovada vira uma Emenda Constitucional. Desde 1988, quando foi criada, a Constituição já recebeu 73 emendas. A nº 1 foi aprovada em 31 de março de 1992 e trata da remuneração de deputados estaduais e vereadores. A nº 73 é de 6 de abril deste ano e cria os Tribunais Regionais Federais de quatro regiões.